ATA DA PRIMEIRA SESSÃO ESPECIAL DA QUARTA SESSÃO LEGISLATIVA ORDINÁRIA DA DÉCIMA SEGUNDA LEGISLATURA, EM 29-6-2000.

 


Aos vinte e nove dias do mês de junho do ano dois mil reuniu-se, no Plenário Otávio Rocha do Palácio Aloísio Filho, a Câmara Municipal de Porto Alegre. Às dezenove horas e trinta e sete minutos, constatada a existência de quórum, o Senhor Presidente declarou abertos os trabalhos da presente Sessão, destinada a homenagear os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente, nos termos do Requerimento nº 054/00 (Processo nº 0914/00), de autoria do Vereador Renato Guimarães. Compuseram a MESA: o Vereador João Motta, Presidente da Câmara Municipal de Porto Alegre; a Senhora Judith Dutra, Vice-Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente; o Senhor José Ricardo Caporal, representante do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente; o Frei Luciano, representante do Fórum da Criança e do Adolescente; o Senhor Telmo Kruse, representante do Conselho dos Cidadãos Honorários de Porto Alegre; o Senhor César Bento, Presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania - FASC; o Vereador Renato Guimarães, 2º Secretário da Casa. A seguir, o Senhor Presidente convidou a todos para, em pé, ouvirem à execução do Hino Nacional e, após, concedeu a palavra aos Vereadores que falariam em nome da Casa. O Vereador Renato Guimarães, em nome das Bancadas do PTB, PDT, PPB, PSDB, PSB, PFL e PPS, historiou fatos relativos à discussão, elaboração e edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, defendendo a aplicação plena das normas jurídicas constantes nesse diploma legal e propugnando pela adoção de medidas que garantam o funcionamento dos órgãos estatais de atendimento aos menores. A seguir, o Vereador Renato Guimarães assumiu a presidência dos trabalhos e, em prosseguimento, foram registradas as seguintes presenças, como extensão da Mesa: da Senhora Inajá Barros Leite, Presidenta do Conselho Municipal de Assistência Social; de representantes da Fundação de Assistência Social e Comunitária - FASC; de representantes da Defensoria Pública, da Escola Técnica Parobé, da Associação dos Servidores da Secretaria Municipal de Saúde, do Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA, da Associação de Moradores da Vila Maria, da Divisão de Ensino Fundamental da Secretaria Estadual da Educação, das Escolas Municipais Chico Mendes e Heitor Villa Lobos, do Departamento de Cidadania da Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência Social, da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - RS e de Conselheiros Tutelares de Porto Alegre. Também, o Senhor Presidente registrou o recebimento de correspondências alusivas à presente solenidade, enviadas pela Senhora Julia Ilenir Martins, Promotora de Justiça e Coordenadora da Coordenadoria das Promotorias da Infância e da Juventude; pelo Senhor Olívio Dutra, Governador do Estado do Rio Grande do Sul; pelo Senhor Luís Paulo Pilla Vares, Secretário Estadual da Cultura; pela Senhora Simone Mariano da Rocha, Promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e Juventude; pela Deputada Estadual Maria do Rosário. Em prosseguimento, foi dada continuidade às manifestações dos Senhores Vereadores. O Vereador José Valdir, em nome da Bancada do PT, destacou o caráter inovador das normas integrantes do Estatuto da Criança e do Adolescente, declarando que o cumprimento dessas normas é fundamental para o estabelecimento de políticas eficientes de atendimento às crianças e comentando aspectos relativos à aceitação obtida por essa legislação entre os diversos setores da sociedade. A Vereadora Clênia Maranhão, em nome da Bancada do PMDB, saudou o transcurso dos dez anos de existência do Estatuto da Criança e do Adolescente, salientando a relevância dessa lei para a conscientização da comunidade quanto aos direitos básicos de cidadania das crianças e adolescentes e para o estabelecimento de ações públicas destinadas a encontrar soluções dos problemas enfrentados pela juventude brasileira. Após, foi realizada apresentação de teatro por alunos da Escola Municipal Heitor Villa Lobos. Em continuidade, o Senhor Presidente concedeu a palavra à Senhora Judith Dutra, que destacou a importância do registro hoje feito por este Legislativo, em relação aos dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente. Em seguida, foi realizada apresentação artística pelo Grupo de Pagode Humildade, formado por alunos e professores da Escola Municipal Chico Mendes. Após, o Senhor Presidente convidou os presentes para, em pé, ouvirem à execução do Hino Rio-Grandense e, nada mais havendo a tratar, agradeceu a presença de todos e declarou encerrados os trabalhos às vinte e uma horas e oito minutos, convocando os Senhores Vereadores para a Sessão Ordinária de amanhã, à hora regimental. Os trabalhos foram presididos pelos Vereadores João Motta e Renato Guimarães e secretariados pelo Vereador Renato Guimarães. Do que eu, Renato Guimarães, 2º Secretário, determinei fosse lavrada a presente Ata que, após distribuída em avulsos e aprovada, será assinada pelos Senhores 1º Secretário e Presidente.

 

 

 


O SR. PRESIDENTE (João Motta): A presente Sessão Especial é destinada a homenagear os 10 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, nos termos do Requerimento nº 054/00 (Proc. nº 914/00) de autoria do Ver. Renato Guimarães.

Convidamos para compor a Mesa, com muita alegria e honra, a Primeira Dama do Estado do Rio Grande do Sul e Vice-Presidenta do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Sr.ª Judith Dutra; o representante do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente, Sr. José Ricardo Caporal; o representante do Fórum da Criança e do Adolescente, Frei Luciano; o representante do Conselho dos Cidadãos Honorários de Porto Alegre, Sr. Telmo Kruse; o Presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania – FASC, Sr. César Bento e o 2º Secretário da Casa, Ver. Renato Guimarães.

Convidamos todos os presentes para, em pé, ouvirmos o Hino Nacional.

 

(Executa-se o Hino Nacional.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): O Ver. Renato Guimarães está com a palavra, em nome do PTB, PDT, PPB, PSDB, PSB, PFL, PPS e como proponente da Sessão.

 

O SR. RENATO GUIMARÃES: Sr. Presidente, Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Quero, em primeiro lugar, dizer que é muita responsabilidade para nós representar o conjunto dos partidos desta Casa, fora o PT e o PMDB, que se fazem presentes nesta Sessão. Isto demostra, em parte, que temos muito ainda a percorrer para construir a legitimidade e defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Companheira Judith, esta Sessão no dia de hoje - não somente esta Sessão, mas o conjunto das atividades propostas para este período, de junho e julho, que vai até o dia 13 - lembra um marco histórico na sociedade brasileira, que é a elaboração e criação do Estatuto da Criança e Adolescente - ECA. Faço esta lembrança para nos reportarmos ao início da década de 90, quando estávamos discutindo a construção do Conselho Municipal, a implantação das suas ferramentas e os desafios que tínhamos pela frente. Naquele momento ainda havia o Movimento de Assistência de Porto Alegre, o MAPA, que Vossa Excelência presidia. Deste ano, de 1990, até hoje, com certeza muito se construiu na Cidade de Porto Alegre, na construção não do imaginário do que representa o Estatuto, não do que representa o Conselho Municipal, o Fórum, mas, sim, se construiu, o que nós podemos dizer que é a essência da proteção da criança e do adolescente: uma sociedade consciente e por trás dessa sociedade uma rede de entidades, de fóruns que têm para si e sabem da importância da sociedade ser consciente e defender o direito da criança e do adolescente.

Queria citar a presença do companheiro César Bento, Presidente da Fundação de Assistência Social e Cidadania no Município de Porto Alegre, que, sem sombra de dúvida, é uma das principais ferramentas na promoção da defesa do adolescente na Cidade de Porto Alegre.

Portanto, eu digo isso de forma inicial para dizer que, de lá até hoje, se fez muito, sem sombra de dúvida, na construção de políticas, de ações, tanto do Poder Público no Município como da própria sociedade. Mas, nós ainda convivemos, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul e no Brasil, com situações que, além de serem situações que são usadas na disputa política que temos que fazer, nos chocam e que nos fazem levar para casa, para o nosso travesseiro o pensar que mundo nós estamos construindo. Que situações são essas que eu me refiro? A situação de uma criança que não consegue mais amparo, não consegue mais proteção na sua família e busca a rua como modo de proteção. Situações de famílias que são jogadas no processo de exclusão e, por conseqüência, jogam-se na conseqüência pior que uma sociedade pode apresentar: da extrema miséria. Situações que deturpam, que acabam com tudo aquilo que, no nosso ponto de vista, é mais sagrado entre as relações humanas que é o direito e a possibilidade de respeitarmos esses pequenos cidadãos.

Nós poderíamos citar, aqui, desde as violações mais simples, que são constituídas a partir do próprio tensionamento que a sociedade vive hoje que é a falta de paciência que, nós adultos, temos com nossas crianças e nossos adolescentes, que é um grito, um gesto de não compreensão, de não ouvidoria no momento necessário, até as agressões mais violentas, mais rudes. Nós devemos repudiar, veementemente, as violências, especificamente as violências sexuais e as psicológicas profundas. Isso tudo é conseqüência de uma sociedade que, hoje preserva, que prioriza, um modo de retenção, um modo de pensar em si e não pensar no coletivo, não pensar no conjunto, nos diretos do conjunto do cidadão. Sociedade essa que tem um modelo que exclui a grande maioria.

Hoje, podemos dizer que nós convivemos com, mais ou menos, 20 milhões de brasileiros na faixa etária entre a infância e a adolescência, que estão atirados nas ruas das nossas grandes cidades a rolar, sem o mínimo de garantia, sem os mínimos direitos elementares como alimentação, segurança, teto e por aí poderíamos discorrer. São aproximadamente 20 milhões, é o dobro da população de alguns países do mundo, a população hoje que está excluída, jogada a qualquer sorte e que no futuro vai ser uma população que vai exigir de nós, quem, sabe respostas talvez não da mesma forma que exigem hoje, porque essa população, que está excluída hoje, muitas vezes, nos exige reparo de direito num olhar sofrido, num estender a mão numa sinaleira, pedindo esmolas. Mas, no futuro e essa é uma discussão que temos que fazer e essa, grande parte da sociedade que está excluída, no futuro pode vir a nos exigir esses direitos de outra formas, quem sabe não mais como direitos, quem sabe como reparo de uma dívida, uma dívida social, que o conjunto da sociedade, o modelo e o Governo tem que os remeta a forma de cobrança que é a forma mais irracional possível.

Eu faço essa referência com um certo grau de polêmica só para trazer à tona um incidente que foi, sem dúvida, a manchete principal desse País nos últimos 15 dias, que foi o incidente lá no Rio de Janeiro. O mesmo ser humano, que há anos atrás, num olhar sem nenhuma esperança, tinha sido vítima de um atentado, na Candelária, foi o mesmo ser humano que chocou toda a Nação toda de uma outra forma. Naquele momento cobrou o seu direito de cidadão, com aquele olhar vazio, sem esperança. E, agora, há dias atrás, cobrou esse mesmo direito, com olhar de raiva, de fúria, de desespero. Quem sabe, não pedindo mais nada de nós mas, sim, nos exigindo.

Essa é uma reflexão que a nossa sociedade tem que fazer, porque se não mudarmos o curso da história, não serão, sem sombra de dúvida, alguns que farão esse tipo de coisa, mas muitos. E aí, eu penso que teremos perdido a disputa, que temos que fazer, que é pela construção de uma outra sociedade que compreenda o papel dessas crianças, desses adolescentes cidadãos.

Que nós reflitamos sobre o discurso demagógico e hipócrita de que criança e o adolescente são o nosso futuro. Este discurso só serve para mascarar a realidade do presente. Não tem futuro para a criança e o adolescente se não construirmos um presente responsável que olhe para por estes, lhes apresentando esperança neste presente para a construção do futuro. Esse futuro, sem a análise do passado e a compreensão de quais são as medidas, no presente, não é fértil, não vai levar a nada, somente ao que vimos naquele episódio.

Gostaríamos de, por fim, fazer aqui a menção e o registro da preocupação que eu e outros militantes da área da proteção da criança e o adolescente temos, de que, no nosso ponto de vista, o Estatuto da Criança e do Adolescente, os Conselhos Tutelares, os Conselhos Municipais de Direitos, as principais ferramentas de proteção à criança e ao adolescente e todas as suas ações, através de programas do Poder Público, sofrem, neste momento da sociedade, um risco.

Para mim, o Estatuto da Criança e do Adolescente, enquanto regra, princípio e regra normativa, que orienta uma sociedade de como tratar os seus cidadãos, não está ainda consolidado e garantido. Temos inúmeras ameaças em relação ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

Em relação aos Conselhos Municipais e Tutelares, acredito que a situação não é diferente. Por que eu falo isso? É pela realidade de Porto Alegre? Não, eu falo pela realidade brasileira, são mais de cinco mil municípios e, se formos tratar de Conselhos Municipais, nós não temos ainda 30% destes instalados no País.

Temos uma realidade nas capitais, em algumas grandes cidades, mas a grande maioria das cidades do interior desconhece os papéis dos conselhos municipais e tratam os Conselhos Tutelares como simples extensão da ação do poder público local. O Conselho Tutelar nessas cidades não é um órgão autônomo fiscalizador do papel do Executivo e da sociedade. Ele é uma extensão; ele é um órgão que faz o atendimento para a própria prefeitura. A luta de proteção à criança e ao adolescente, a luta por manter o papel de propositor dos conselhos, dos fóruns e o papel vigilante de farol da sociedade, é o papel que os Conselhos Tutelares têm. Nós construímos com muita luta o Estatuto da Criança e do Adolescente. Não é uma coisa já dada, já construída, que não sofre nenhuma ameaça, pelo contrário, existem muitas ameaças a tudo isso que nós construímos nesses dez anos.

Nesta homenagem que estamos fazendo aos dez anos do ECA, numa Sessão de reflexão sobre o ECA e sobre o nosso papel na sociedade, eu gostaria de convidar a todos a visitarem a exposição “Êxodos” que a Câmara de Vereadores está promovendo, que é uma exposição de fotos do Sebastião Salgado, que trata de refletir essa discussão que estamos fazendo aqui: que é o papel da criança e do adolescente na sociedade, e como a sociedade os pode proteger. Esta exposição se liga ao conjunto de atividades que estamos fazendo neste período. Não são atividades só da Câmara, mas do Conselho, do Fórum, do conjunto das entidades de Porto Alegre e dos órgãos da Prefeitura que tratam da questão da criança e do adolescente.

Queremos registrar que a Câmara Municipal, no dia de hoje, aprovou uma proposição de nossa autoria, instituindo a Semana do ECA, uma Semana em Defesa da Criança e do Adolescente, que passa a ser, a partir de agora, uma semana oficial no Calendário da Cidade, em que se fará a reflexão necessária sobre o papel da sociedade, do ECA, do Conselho de Direitos, do Fórum, dos Conselhos Tutelares, e sobre o papel de cada um de nós na defesa e na proteção das nossas crianças e dos adolescentes. Obrigado pela presença de todos.

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (João Motta): Esta Presidência gostaria, Ver. Renato Guimarães, até como forma de fazer um reconhecimento público do seu trabalho em defesa do ECA, e também pela afirmação enquanto um Estatuto fundamental de afirmação dos direitos básico de cidadania, de passar a Presidência dos Trabalhos da presente Sessão a V. Ex.ª. E gostaria, ao mesmo tempo, de convidar o companheiro César Bento, Presidente da FASC, para fazer parte da nossa Mesa representativa.

Muito obrigado, em nome da Câmara pela presença de todos, passo a Presidência dos trabalhos ao Ver. Renato Guimarães.

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Antes de passar a palavra aos demais Vereadores, queremos registrar a presença do Conselho Municipal de Assistência Social, companheira Inajá, Presidenta do Conselho; de representantes da Fundação de Assistência Social e Comunitária - FASC; a representação da Defensoria Pública; da Escola Parobé; da Associação dos Servidores da Secretaria Municipal de Saúde; do Serviço de Educação de Jovens e Adultos - SEJA; da Associação dos Moradores da Vila Maria; da Divisão de Ensino Fundamental da Secretaria Estadual e Educação; das Escolas Municipais Chico Mendes e Heitor Villa Lobos.

Registramos diversas correspondências alusivas à solenidade: da Sr.ª Julia Ilenir Martins, Promotora de Justiça e Coordenadora da Coordenadoria das Promotorias da Infância e da Juventude; do companheiro Olívio Dutra, Governador do Estado do Rio Grande do Sul; do companheiro Luís Paulo Pilla Vares, Secretário Estadual da Cultura; da Promotora de Justiça e Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Infância e da Juventude, companheira Simone Mariano da Rocha; da Deputada Estadual, companheira Maria do Rosário.

O Ver. José Valdir está com a apalavra, que fala em nome do Partido dos Trabalhadores.

 

O SR. JOSÉ VALDIR: Sr. Presidente Sr.as e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Saudação ao Plenário, especialmente aos educadores, conselheiros, crianças e adolescentes que participam desta nossa Sessão.

O final deste século tem sido o cenário de um elenco de transformações na vida econômica, social e política. No campo dos direitos humanos, ingressamos, neste final de milênio, num período de avanços e eventos que determinaram novos comportamentos éticos. Dentre esses podemos citar a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, realizada em 1989, em Nova Iorque e, a Conferência Mundial Sobre a Educação Para Todos, em 1990.

No entanto, esse período de transformações, que possibilita saltos no desenvolvimento econômico, e a ampliação das conquistas humanitárias, contém contradições enormes em sua dinâmica. Ao mesmo tempo em que acena com a incorporação de novos contingentes populacionais ao mercado de trabalho e de consumo, melhorando a qualidade de vida, tende a ampliar cada vez mais o abismo existente entre os poucos incluídos e crescentes parcelas excluídas, sem acesso à renda mínima, totalmente alienados ao direito à cidadania. Nesse contexto, aqueles que não obtém igualdade de condições para competir, estão de antemão marginalizados.

A Constituição e o ECA apostaram em estabelecer a criança e o adolescente como prioridade absoluta para um efetivo desenvolvimento do nosso País. O Estatuto estabelece uma situação legal, em que as crianças podem e devem ser tratadas como cidadãos em fase peculiar de desenvolvimento, pondo em relevância e destaque um valor projetivo, ou seja, assim como o idoso representa a memória viva da sociedade, a criança e o adolescente são, potencialmente, portadores do futuro, desde que, como disse o Ver. Renato Guimarães: “Garantam a eles o presente”. Estabelece uma nova base ética. O direito das crianças passa a ser também o dever de todos os adultos. Com essa nova base ética, passam-se a produzir mecanismos sociais que atendem e garantem os direitos, e não mais atenuem apenas as carências.

As novas políticas sociais não almejam apenas combater a pobreza, mas a inclusão com a cidadania. O Estatuto da Criança e do Adolescente promove assim, uma radical transformação no conteúdo das políticas de atendimento à criança e ao adolescente em nossa sociedade, de difícil assimilação pelos setores mais conservadores. O ECA tem essa difícil assimilação, porque para os defensores do velho código de menores, que, praticamente, se dirigia às crianças e adolescentes oriundas de famílias de baixa renda e os estigmatizava, tratando-os como menores em situação irregular, alvo do chamado higienismo social, onde a regra é retirar da rua, colocar em um abrigo e dar curso profissionalizante. Para esses, a aceitação do Estatuto da Criança e do Adolescente é muito difícil. É que o Estatuto da Criança e do Adolescente parte de uma outra doutrina, que é a da proteção integral, não se dirigindo apenas a parcelas, mas a todas as crianças e adolescentes, integrando-as à sociedade através de políticas de inclusão que devem respeitar as fases do desenvolvimento físico, psíquico e social, pois criança é criança, em qualquer classe social, e nunca um adulto em miniatura.

Comemorar os dez anos do ECA é também registrar que estamos construindo uma utopia possível, mas uma utopia porque ainda há um grande desejo de que os avanços previstos no texto legal do Estatuto se reflitam na vida quotidiana da infância e da adolescência. Essa utopia, sabemos, esbarra em enormes dificuldades no cotidiano da nossa militância. Esbarra na falta ou insuficiência de políticas públicas. Esbarra na transferência de responsabilidade e na falta de compreensão e preconceito. É forçoso reconhecermos que nem tudo o que está no ECA desceu do papel à realidade.

Mas é preciso reconhecer, também, mesmo diante dessas dificuldades, que o futuro desta Cidade, deste Estado e deste País, é essa criança que hoje completa dez anos de existência, essa criança chamada ECA. É o caminho, o futuro e a esperança. Sem termos isso presente, não poderemos, de maneira alguma, adotar uma política que, no futuro, construa um país melhor, mais justo e que faça dessas crianças de hoje o futuro da nossa sociedade, o futuro de uma sociedade mais justa, o futuro de uma sociedade mais fraterna e mais humana. Muito obrigado. (Palmas.)

 

(Não revisto pelo orador.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Queremos registrar como extensão da Mesa, a presença do Departamento de Cidadania da Secretaria Estadual do Trabalho, Cidadania e Assistência Social; da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB/Rio Grande do Sul e de Conselheiros Tutelares de Porto Alegre.

A Ver.ª Clênia Maranhão está com a palavra, pela Bancada do PMDB.

 

A SRA. CLÊNIA MARANHÃO: Sr. Presidente e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) Ver. Renato Guimarães, proponente desta iniciativa. Ao saudar a Primeira Dama do Estado do Rio Grande do Sul, Dona Judith Dutra, em nome dela, saudamos todas as Autoridades que compõem a Mesa. Saudamos, de uma forma muito especial, as crianças que aqui estão presentes, que foram o motivo da nossa luta para que o ECA existisse. E saudamos a todos os militantes das causas de direitos humanos, de defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, que, aqui, se fazem, mais uma vez, presentes, na luta pelo avanço e da colocação, na prática, aquilo que nós lutamos para que fosse lei.

Esta Sessão, proposta pelo Ver. Renato Guimarães tem um significado muito importante para esta Casa e, por isso, queria saudar o Vereador por esta iniciativa. Hoje, nós estamos comemorando os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA e fico me lembrando que, há doze, treze, quinze anos atrás, quando nós discutíamos a necessidade do fim da famigerada legislação, que regia o destino das crianças e adolescentes deste País, nós sonhávamos com uma legislação assim. E sonhávamos com uma legislação que, além de ser a legislação que é o ECA, fosse, também, uma legislação que fosse colocada na prática em todos os recantos do Brasil.

Apesar de todas as dificuldades, temos muitas coisas para comemorar, principalmente se nós lembrarmos que as crianças brasileiras, antes do ECA, a elas não era permitido sequer serem julgadas como eram julgados os adultos que infringiam as leis. Temos, sim, muito que comemorar nestes dez anos da construção do Estatuto da Criança e do Adolescente, principalmente se nós nos referirmos ao grau de consciência da sociedade brasileira no que diz respeito aos direitos infantis.

Acho que nós temos a comemorar se nós avaliarmos que houve, efetivamente, um crescimento da participação da sociedade na garantia da implantação de vários artigos do ECA. Se nós avaliarmos o trabalho que foi desenvolvido e que está sendo desenvolvido de atendimento pelas entidades não governamentais, pelas entidades que compõem o conjunto da nossa sociedade, através das creches, das redes de apoio, através dos trabalhos de educação informal, através das iniciativas comunitárias que partem da solidariedade da história de luta e de reivindicação da nossa população.

Acredito, também, que nós temos que pensar nesses dez anos se é verdade que a sociedade se apropriou desses conceitos e, com esta apropriação, criou os mecanismos necessários de pressão, é também fundamental que, nesta data, nós pensemos o quanto ainda temos que construir, o quanto ainda temos que exigir dos Governos para que eles efetivamente coloquem como prioridade políticas públicas que venham fazer diferentes o destino dessas crianças. É extremamente louvável, inúmeras ações que foram tomadas em todos os três níveis de Governo, no Governo Federal, do Governo Estadual, do Governo Municipal no sentido das conferências, dos Congressos, das discussões, das mobilizações, porém, dez anos depois nós temos que exigir muito mais do que isso, nós temos que exigir, efetivamente, muito mais orçamento para área social, nós temos que exigir, efetivamente, um crescimento do contingente dos quadros públicos que se dedicam a isto. Nós temos que exigir, efetivamente, a garantia dos direitos na prática, na vida e no cotidiano, quer seja na área da saúde, na área do trabalho, na área da habitação, na área daquilo que compõem a infraestrutura de uma sociedade, e sem a qual não é possível garantir nenhum direito.

Eu acredito que, se é verdade que as conquistas foram feitas, é preciso que neste dia nós coloquemos o nosso grande desafio que é universalizar os direitos, que hoje são para tão poucos. Nós queremos o aumento de creches, nós queremos o aumento de escolas, nós queremos que os postos de saúde tenham programas, sim, voltados para o atendimento da criança e do adolescente, nós queremos que efetivamente as famílias sejam famílias, respeitem todos os seus membros, tratem as crianças como cidadãos, para isso é preciso que elas tenham casas, é preciso que seja garantido política de saúde para que as crianças possam ser atendidas. É preciso, sim, que a escola pública saia dos seus próprios muros e preparem o cidadão do futuro, mas preparem um cidadão capaz de enfrentar o mercado de trabalho, criar a sua sobrevivência e poder assim garantir a sua dignidade.

Eu acho que é importantíssimo a decisão por unanimidade que tomou a Câmara Municipal de Porto Alegre, a partir da iniciativa do Ver. Renato Guimarães, porque nos faz refletir que dez anos é muito tempo, para que a gente se conforme com pouco, e que nesse dia nós temos que sair daqui com espírito pleno de uma decisão, temos que lutar mais muito mais, porque todos nós merecemos muito mais do que já conquistamos. Muito obrigada.

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Dando continuidade, nesse momento da nossa Sessão Especial, gostaríamos de convidar as companheiras e os companheiros da Escola Villa Lobos que irão fazer uma apresentação de teatro sobre o trabalho infantil.

 

(É feita a apresentação.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE  (Renato Guimarães): A Sr.ª Judith Dutra está com a palavra em nome do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente.

 

A SRA. JUDITH DUTRA: Sr. Presidente Sr.as e Srs. Vereadores. (Saúda os componentes da Mesa e demais presentes.) O art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral, do Poder Público assegurar com absoluta prioridade a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

Considero de muita importância que se tenha sempre presente esse artigo quando pensamos em nossas ações. A criança e porque a criança e o adolescente são prioridades absolutas. Por mais clara que essa idéia possa estar para nós, temos sempre de renovar o desafio que isso nos traz. É preciso que organizemos nossa luta pela garantia desse direito fundamental, que nos remete para o compromisso que temos com o atendimento integral da criança e do adolescente, respeitando as suas peculiaridades.

E espero que nunca mais aconteça o desrespeito que aconteceu em Uruguaiana, ocasionando a morte de todas aquelas crianças da creche, pelo desleixo daquele atendimento, um evento que chocou todo o povo gaúcho.

O Estatuto da Criança e do Adolescente foi criado a partir de uma importante mobilização que, agora, deve ser ampliada, para o seu efetivo cumprimento. Também se faz necessário que utilizemos todos os espaços de nossa atuação para sensibilizar e esclarecer as pessoas sobre as questões que dizem respeito à defesa e aos direitos da criança e do adolescente.

Por isso, comemorar os dez anos do Estatuto da Criança e do Adolescente tem uma importância fundamental, por promover momentos de divulgação da proposta e reflexão das ações.

E para que possamos enriquecer a prática das nossas discussões, no sentido de qualificar nossa atuação, nas diferentes organizações é que estamos preparando-nos para as mudanças de postura e, possivelmente, de cultura e de valores que o Estatuto inaugura.

É com essa motivação que podemos assumir o nosso compromisso de atender a meninos e meninas, crianças ou adolescentes que merecem o nosso respeito e carinho. Mas, muito mais do que isso, merecem que estejamos juntos com eles na defesa de suas vidas, dos seus sonhos e dos seus futuros.

Muito já se conseguiu, mas há muito ainda a ser conquistado.

Desejo imensamente que este ano, marco de nossa luta pela garantia dos direitos das crianças e adolescentes, possa reforçar o nosso compromisso com efetivo cumprimento do Estatuto, para que seja mais do que um modelo de Lei, que saia do papel e que seja o nosso instrumento de defesa de uma vida digna para os nossas crianças e adolescentes.

Parabéns à Câmara de Vereadores pela iniciativa da comemoração dos dez anos do ECA, pela iniciativa desta Semana de atividades, trazendo à sociedade essa discussão. A iniciativa da Exposição que nós iremos inaugurar.

Que saiamos daqui com o nosso compromisso renovado e com o ânimo necessário para enfrentar os tantos desafios que encontramos em nossa caminhada. Muito obrigada. (Palmas.)

 

(Não revisto pela oradora.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Nós convidamos os companheiros, alunos e professores, do Grupo de Pagode Humildade, da Escola Chico Mendes para fazer sua apresentação artística.

 

(Apresentação do grupo de pagode da Escola Chico Mendes.) (Palmas.)

 

O SR. PRESIDENTE (Renato Guimarães): Convidamos a todos os presentes para, em pé, assistirmos a execução do Hino Rio-Grandense.

 

(Executa-se o Hino Rio-Grandense.)

 

Agradecendo a presença de todos, damos por encerrados os trabalhos da presente Sessão Especial, destinada a homenagear os dez anos da criação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA.

 

(Encerra-se a Sessão às 21h08min.)

 

* * * * *